sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Lidando com perdas

É o primeiro texto que não sei como começar. Preciso me despedir de um amigo. Pra variar, de um amigo que não falava há uns meses. As despedidas sempre foram muito complexas para mim. De todas as ordens.

Abri minha caixa de emails ontem e havia um de Claudinho. Na verdade a mensagem era de sua irmã. Dizia que ele esteve hospitalizado e falecera no sábado, dia 24. Minha primeira reação foi de susto! Como assim? Claudinho estava sempre aí, brincando, entrando no msn, soltando suas piadinhas assanhadas e suas beijocas (sempre nos despedíamos assim nos bate-papos e emails).

Depois vieram as lembranças da faculdade. Deixara o curso de Relações Públicas e optara por jornalismo. Nem sei qual semestre era aquele. Só sei que pensei: “ai Deus, mais um maluco aqui na sala, como se não houvesse o suficiente!”. Os meses foram passando e a convivência entre as mais de 30 cabeças diferentes numa sala de aulas por vezes ficava complicada. Não lembro se fizera questão de esconder sua homossexualidade. A mim nunca fez diferença, mas como coloquei, tinha bastante gente na sala. Por vezes o clima ficava tenso e as piadinhas rolavam.

Sempre nos divertimos muito contando nossos causos amorosos e estórias (às vezes mais picantes, claro!!), curtindo da cara de alguém. Era uma dessas figuras que mesmo estando triste, estava feliz! E como alguém assim pode morrer?

Dois anos atrás, outra amiga da faculdade falecera. Manuela. Manu da Varig. Tinha desistido do curso de jornalismo, mas algumas meninas ainda mantinham contato com ela. Segundo elas, estava bem. Recém-casada, fazendo outra graduação. Lia o jornal e reconheci seu nome na seção de falecimentos. Tão meiga. Lembro da relação dela com a mãe: um cuidado muito especial.

Ainda semana passada perdi um tio. Tio César era uma dessas figuras amigas de pai e mãe que viu a gente piveta e acompanhava pro resto da vida: almoços, aniversários, formaturas. Minhas lembranças dele são sempre de farras: com a gente nas barracas de praia, pedindo tudo pra nós três e Paulinho (seu filho). Tinha diabetes, pressão alta e estava acima do peso. Estava bastante doente e um dia decidira não usar mais remédios. Fiquei muito triste. Meu pai não quis contar logo. Todas soubemos dias depois...

Não saberia dizer o que de fato me incomoda na morte. Não é simplesmente o não ver/estar mais. Talvez seja o fato de ser a única coisa da qual não se pode fugir. Acho que é essa sensação de completa incapacidade que me angustia. Até hoje sinto falta de minha avó. Sob efeito mais ameno, claro. Lá se vão mais de duas décadas de sua partida. Tínhamos uma relação muito próxima. Era ela praticamente a minha mãe.

Existem algumas pessoas que não gosto nem de pensar em perder. Muito embora, hoje encare esse dia com um pouco mais de naturalidade (ou menos desespero!). Afinal, não há muito o que fazer. E pra desfazer qualquer dor, só mesmo o tempo.

Para o amigo Cláudio Conde, para a amiga Manuela Bastos e para tio César.
Muita luz e paz!

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ponha a alma em tudo que faz

Aprendi a mergulhar de cabeça em tudo com o entusiasmo das crianças. Logicamente corro riscos que me fazem pensar em ser mais cautelosa numa próxima vez. Mas, só penso. Afinal de que vale viver receosa de tudo e todos? Tamo vivos no mundo, vamo viver, oras! Já pensaram na tragédia que seria nos fecharmos a cada coisa que não saiu como planejamos (se é que se pode prever tudo na vida)? Conheço pessoas assim: se sair uma vírgula do esperado, do que fora calculado, tá feito o drama. Também conheço outros de minha laia. Sempre se jogando: amor, amizades, trabalho, o que vier.

Na segunda fui ver (mais) uma exposição de fotos de meu companheiro Marcelo de Trói. Celo dispensa comentários ou reiterações a respeito de seu talento (em tudo que faz). Quando o conheci, ele estava editor de um suplemento que eu diagramava. Depois conheci o fotógrafo, o ator, o poeta, o instrumentista, o roteirista, o produtor, o jornalista, o humanista, o escritor (tô sem fôlego e tomara que não tenha esquecido nada!). Às vezes me pergunto a que horas essa criatura dorme, gente!! Logo também conheci o homem, o amigo, o companheiro. Em todas essas “funções” ele está de fato. Corpo, coração e – sobretudo - alma. Celo é dos meus e a gente se compreende cada vez mais.

Também tenho escutado bastante Bob Marley. Vejo algumas apresentações e comentários sobre sua obra. É unânime: era mais um da casta. Ele acreditava na causa e não media esforços nem desanimava à toa. Suas letras tratam quase sempre disso. Não desanimar da luta, não desistir! Nem é preciso ir tão longe. Alguns dias atrás conheci Lazzo Matumbi. O negão é show de bola! Nem precisamos conversar muito pra eu reconhecer nele mais um destemido nato. Suas idéias e ideais. Acreditava com paixão no que vale à pena: tudo na vida!

Penso nessas pessoas que gastam um tempo danado com as variadas maneiras de sentir receio, mas cada um no seu momento. Nem sempre fui assim também (ainda bem que a gente cresce!). Nosso tempo é curto e não dá pra ficar perdendo oportunidades assim à toa. Se acredita, arrisque, experimente, se jogue meu velho!

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Novidades cotidianas

Todo começo de relação não é uma delícia? As diferenças são divertidas, as pequenas brigas (sim, porque no início, são sempre pequenas). As reconciliações melhores ainda: ardentes, criativas, memoráveis. Tenho escutado bastante de amigos a mesma velha história: de como as coisas deixaram de ser encantadoras. Eu não sei. Sou meio suspeita e a mim parece sempre mais fácil pra quem está de fora (como no meu caso). Creio que a dificuldade é simplesmente em não encontrar a novidade que nos cerca no dia a dia. Na realidade sequer se busca essa novidade e ela existe! E não se iluda, ninguém gosta de mesmices! Pense que é uma questão de lógica: se um dia é diferente do outro é porque algo que não estava ontem, hoje se faz presente e é aí que a coisa nova entra.

Também não creio na tal felicidade eterna. Tô muito mais pra outro libriano fantástico que dizia: “... que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure..!”. É... Vinícius bem vivia o que pregava, afinal foi casado nove vezes pelo que consta! Penso que mais que fidelidade (que no frigir dos ovos nem é tão importante) as pessoas devem ser leais umas com as outras quando se trata de relacionamento. Sobretudo a dois. O importante é o estar de coração, mente e alma. Do tipo coisas do mano Caê: “...não importa com quem você se deite, que você se deleite seja com quem for...”. Venho firmando essa idéia de esteja comigo quando eu precisar meu bem, e por mim tá tudo certo. Deveria funcionar. Me parece que as pessoas seriam mais felizes, no mínimo sofreriam menos com cobranças!

Meus amigos dizem que idéias como essa que fazem os carinhas correrem léguas. Sou mente aberta demais! Mas precisei aprender essas rotas alternativas pra ficar bem em cada relação (e, principalmente, ao final delas). Em todas: amizades, família, amores e amantes. E, afinal, é uma questão de cuidado e respeito com o outro. Quando um só desses alicerces se acaba ou se quebra o melhor a fazer é partir pra outra.

Na deliciosa onda da Estação Melodia

Faço queixas de cansaço, resmungo às vezes, penso em dar um tempo, mas a verdade é que adoro essa minha vidinha corrida. Vez em quando – quase sempre -, queria ser um pouco mais disciplinada, assim, organizar melhor meu tempo. Muito embora, seja essa indisciplina que me permite dar boas escapadas. Esses dias, em meio a um fechamento complicado de um jornal de 4 páginas, me dei de presente parar e ir ao show de Luiz Melodia (salve, salve, amém!!!). E ainda bem que o fiz.

Era a primeira vez que via um show de Melô. Foram duas apresentações. Queria ir no sábado, mas os ingressos se esgotaram rapidamente. A mim bastava que ele cantasse Fadas e Estácio. E ele cantou. E, lógico, divinamente. Aliás, o espetáculo todo foi maravilhoso! E não são só palavras movidas pelo velho encantamento da primeira vez: meu amigo, companheiro, editor, Marcelo de Trói, macaco velho de Luiz Melodia disse ter sido o melhor show dele que tinha visto. Agradeceu um monte por tê-lo seqüestrado!

E não podia ser diferente. Melô trazia a vitalidade de um garoto em cada canção. Brincou, dançou, conversou, saldou Lazzo Matumbi. Se divertiu com os músicos (um capítulo à parte do show) e com os gritinhos mais entusiasmados da platéia. Estava lançando um novo disco, Estação Melodia com interpretações de clássicos do samba dos anos 30, 40 e 50. No final, Melô e os músicos desceram até a platéia e simularam uma concentração de escola de samba. Ali, pertinho do público ele sambou e fez todo mundo se acabar cantando “linda teresa, linda teresa...”. Transformou a sala principal do Teatro Castro Alves em Concha Acústica. Era a primeira vez que desejava um celular com câmera!

Ah, claro, antes dele subiu ao palco Pietro Leal e seu grupo (com nome esquisito), vencedores do terceiro lugar do Festival Universitário de Música. Presença de palco, repertório, as letras autorais, segundo eles, não deixava nada a desejar a grandes nomes locais. Os meninos são realmente muito bons. Um show pra ficar na memória até o próximo!

Celo te amo!! Obrigada pelo companheirismo de sempre!!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A cor acentuada pelo calendário

Ainda lembro aquela tarde sentadas na varandinha. Pró Geninha e Guida me diziam: “aproveite tudo porque ser negro, hoje, é mercadológico!!”. Lá se vão mais de quatro anos. Faz tempo, mas a constatação é bastante atual. Não saberia dizer ao certo qual era a discussão. Mas, com certeza me referia ao fato de ter assumido, por vez, meus traços étnicos. Embora não fosse uma militante fervorosa (e ainda não o seja), percebi que devia ir muito além que trançar meus cabelos à jamaicana ou, como hoje, aplicar os dread locks, como Marley.

Também falava de minhas intenções para o mestrado. E, de novo como Marley, queria abordar minhas raízes, trabalhar minha história. Me utilizaria então da arma que conheço melhor e a qual considero inegavelmente a mais poderosa de todas: o conhecimento. Queria mostrar a força de pessoas como Yêdamaria, amiga, artista plástica, reconhecida no exterior (aliás, mais lá que cá), negra, do interior da Bahia. No início da pesquisa para o projeto, o primeiro grande obstáculo: não existe bibliografia específica. É como se nós negros, nessa que dizem ser a maior cidade negra fora de África, fizéssemos muito pouco, nada que merecesse estar fora das páginas de polícia ou situação de mendicância.

Minha indagação não era onde ou em quê pesquisar somente. Não teria problemas em “construir o caminho”, mas me perguntava por que éramos constantemente ignorados. E aí lembro de ter visto um outdoor. Chamava para a caminhada do dia 20, com saída, lógico, da Liberdade. Pois é... E lá vamos para mais um vinte de novembro. Pretos e pretas nas ruas reivindicando no grito! Já estive. Mas as figuras que fazem da marcha um palanque eleitoral me tiram do sério! E como ano que vem teremos eleições municipais, imagina o que não vai ser.

Há duas semanas estou envolvida num projeto de comunicação para o dia 20, em Camaçari, cidade da região metropolitana. Nas discussões um tema é recorrente: a data. Explico: por que somente dia 20 de novembro saímos em protesto? Nossas crianças negras, no ensino fundamental, precisaram de uma mãozinha da justiça pra terem sua história incluída na grade do planejamento de aulas. A briga é boa e os resultados ainda são aguardados. E meus questionamentos não paravam por aí. Por que com a ascensão da política de cotas nas universidades, todo mundo resolveu ser negro? Por que na alta estação, quando a cidade fica lotada de turistas, se incentiva uma tendência aos chamados penteados afro como mera fantasia? Por que esse é um mês no qual todo mundo decide discutir em seminários, em palestras e arrisca aplicar receitas de bolo ao nosso cotidiano? Por que as tais secretarias ou mesmo coordenações especiais de políticas e promoção de igualdade racial não engatam?

Eu quero é que durante o ano inteiro alguém me explique, aliás faça melhor, quero que alguém solucione essa condição louca que é um trabalhador negro receber o equivalente a metade do salário de um trabalhador branco,ocupando exatamente a mesma função, com as mesmas qualificações. Quero que alguém explique por que nos noticiários de Tv as (raríssimas) apresentadoras não usam tranças ou dread locks? Seus cabelinhos são tão lisinhos alguns com luzes loiras! Me salve Rita Batista com seu estilo black power na Tv Aratu. Alguém pode me dizer que zorra de 1% é esse a que ganhamos o direito para aparecer nos anúncios e propagandas? No finalzinho da peça? Dando tchau? Sacudindo ou sempre mudos? Não quero pena, esmola. Sequer gosto da palavra reparação!

No meu caso específico não precisei diretamente da ajuda do governo. Nunca estudei em escola pública, minha graduação e especialização também foram em instituições particulares. Talvez aconteça agora com o mestrado. Sou a famosa exceção à regra. Entretanto, já bem próximo, minhas irmãs seguiram o que se vê: entraram num colégio público no segundo ano do segundo grau. Tinham as aulas iniciadas às 7h e antes das 10h já estavam em casa. Isso entristecia bastante minha mãe que nunca mediu esforços para nos proporcionar conhecimento. Era questão de honra na cabeça dela e, pelos incentivos, ainda se mantém.

E numa dessas palestras, ouvi uma vereadora, bastante requisitada no assunto, dizer lá pelas tantas que a escola pública hoje é feita para pobres. Em boa parte dessas instituições o descaso é pulsante e julga-se que o pobre não merece nada de qualidade, afinal, não vai sair dali mesmo. Não era a visão dela, mas explicitava como o sistema funcionava. Que engano! Somos tão capazes quanto afinal, somos nós que matamos um leão por dia pra sobreviver e ressaltar nossa habilidade... E tem sido assim desde o dia 14, (o dia do e agora) quando fomos empurrados às ruas. Ao menos paramos de comemorar o dia anterior, como se aquela assinatura fosse um favor!

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Do jeito que a gente também gosta

Essa é uma semana completamente atípica. Ainda que atolada de trabalho - graças a Jah -, consegui participar de uns eventos gratuitos que rolaram na cidade. Comecei no domingo: Show de Lazzo Matumbi. PER-FEI-TO!! Fazia algum tempo que não o via. A voz dele tem um quê de força e sensualidade. Uma energia boa e uma animação vinham de Lazzo e da platéia. Tiro por mim, tava com toda disposição pra dançar por 4 horas se ele quisesse (e pudesse!). Convidei, sem muita insistência porque não era preciso, um amigo pra conferir o metro quadrado mais preto no Parque da Cidade. Lindo! Estávamos ficando tontos com tanta gente bonita!!! Eu aguardava ansiosamente "do jeito que seu nêgo gosta" e "alegria da cidade", sempre as mais pedidas. Surpresa deliciosa foi ele cantando Melodia e Roberto Carlos. Pouco mais de duas horas de show. Que maravilha!
Chegando final de ano, turistas pendurados nas árvores, o calorzinho ajuda a dar uma sacudida na programação cultural da cidade. Até aí, sem novidades, afinal a gente nem combina com outra estação que não o verão, mesmo. Mas voltemos, porque nossa agenda tá ótima. E não é que na segunda fui ver 3 filmes pagando 2 reais por seção?! Projeta Brasil na Cinemark. Na real, não deu pra ver os 3, esqueci que tinha aula. Ao menos os escolhi. E não é só isso: Tem teatro. Na quarta sai em passeata divulgando peças em cartaz, a preços bastante populares, pelos cantos da soterópolis. Era o Festival Nacional de Teatro da Bahia. Até o dia 10, tem muita opção boa e barata pra ver. Se a gente pensar, nem o que é gratuito é de graça, se permitem o trocadilho. Sim porque na realidade não é de graça. Você paga, ao menos, as passagens de ônibus, combustível ou ainda, a água de coco (que nesse calor, é o que nos salva!).
O que ocorre é que temos sempre alguma coisa a preços populares à disposição, mas são tão pouco divulgados! Consumidora compulsiva de eventos gratuitos ou mais acessíveis, posso garantir que quando chamados, comparecemos em massa. Afinal, como já diria Arnaldo Antunes, "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte/ a gente não quer só comer, a gente quer prazer pra aliviar a dor!".

sábado, 3 de novembro de 2007

Tripulação de primeira viagem

Ainda lembro daquela bomba caindo bem no fim do meu dia. Estava no terceiro semestre do curso e estagiava na editora da própria faculdade. Minha irmã tinha passado muito mal pela manhã o que lhe custou não ir fazer a segunda prova do vestibular da Ufba. Quase seis horas e recebi uma ligação. Era minha irmã caçula: “você já está saindo?”. E eu: “sim. Iza melhorou?”. Ela, naquele tom irônico de sagitariano: “é... mas a enxaqueca dela só vai passar daqui uns meses...”. Eu, no meu tempo costumeiro: “como assim?”. Ela jogou: “sua irmã está grávida!”.

Hoje, relembrando a situação toda até rimos (sem mãe, lógico que continua não achando graça alguma, apesar de Gabriel tê-la no bolso). Foi um corre-corre. Morávamos no mesmo apertamento desde que éramos meninas. Nos habituamos mas, agora mulheres, mal cabíamos todas. O piso ainda coberto pelo velho carpete verde há mais de uma década, nada convidativo a um bebê. Mudamos para uma casa, afinal não tinha espaço para um berço e tudo mais que ele precisava. Era a primeira grande modificação concreta que Gabriel impunha.

Digo concreta porque nossas brigas e discussões foram ficando cada vez menos freqüentes. As desavenças sem sentido. Tínhamos em mente que uma figurinha ia precisar muito (e tão somente) de nós. E ele estava à caminho. Minha irmã trabalhou até muito próximo ao dia do parto. Até onde aquela barriga enorme permitiu. Toda a família era só paparicos, afinal as tantas mulheres da linhagem tinham resolvido estudar e trabalhar. O último rebento do ninho tinha nascido uns dez anos antes e era do meu tio.

Aliás o esforço de minha irmã-mãe era um espanto secundário. Sim porque a grande surpresa era a gravidez em si. Era a única de nós que jamais (e olha, eu disse jamais!) falou em ter filhos. Corria quando alguns daqueles meninos todos (que, nunca entendi, insistiam em ficar lá em casa) apareciam. Adorava as farras e pagodes de finais de semana... As voltas do mundo! Coisa estranha pode ser a vida algumas vezes. Eu tinha perdido um bebê cerca de três anos antes num aborto espontâneo.

Enfim, chegou o dia (ou melhor, a noite). Lembro de ter corrido a cidade por algumas horas procurando vaga nas maternidades com meu pai naquele final de setembro. Fui buscar no hospital com todo orgulho de tia. Aqueles exames imediatos me trouxeram o primeiro nó à garganta. Já fomos direto pra casa nova. Os dias que se seguiram eram marcados pelo revezamento. Até não trocou muito a tal noite pelo dia, mas para toda ameaçazinha de tosse, choro ou coisa que valha, tinha alguém de prontidão!

Fotos, fraldas, comida, presentes, visitas (e mais presentes!). A primeira grande queda aos seis meses. Aliás, por que diabos eles fazem isso? E só de cabeça? Que susto! (e, diga-se de passagem, que pulmão descobrimos com aquele choro agudo).TODAS EM PÂNICO, acordadas! E, principalmente, sem deixar ele dormir. A vó dizia que podia fazer mal. Crendice popular? Pode até ser, mas quem arrisca? A febre de 40. Chamamos ambulância. Aquela bendita médica aperta o coitadinho daqui e dali. Quase a gente voa naquela veiazinha visível do pescoço dela!

Eis que aí está. Com as famosas janelas (sem os dentes da frente).Cinco anos de muito trabalho, pânico e alerta, enfim, tudo que envolve o crescimento. Rimos das coisinhas do dia a dia. Suas descobertas, birras e manhas se tornaram recorrentes em meus trabalhos – textos, pesquisas e discussões – e bate-papos com amigos. Na verdade, todos (re)aprendemos muito e é tão gostoso vê-lo esticar e hoje olhar pra minha cara e dizer: “ei xará vai assistir pica-pau comigo? Se não, eu não sou mais seu amigo!”. Eu posso? Outro dia que deixou de falar o L no lugar do R!

Fico preocupada com o bolo de namoradas se formando na porta, o dia do braço quebrado ou pior a convocação do exército! O fato é que essa convivência tão próxima, essa espécie de treinamento vai me deixando preparada para algumas coisas. Uma delas seguramente é o momento em que a tia coruja cederá lugar para a mãe que, sem sombra de dúvidas, será igualmente babona, mas, por certo, mais atenta e menos impressionada.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A vaquinha indo pro brejo

Queria entender essa falta de cuidado com o próximo algumas vezes. Me consola saber que algumas pessoas – e aí, me incluo em parte – ainda contrariam as estatísticas das personas non gratas. Umas coisinhas aparentemente simples, lá na frente, representam muito. Ensino Gabriel, Angélica e até minhas irmãs a guardar em jornal cacos de vidro, por exemplo. As latas abertas devem ter aquela parte do corte dobrada para dentro e também embaladas em jornal. O pensamento é simples: infelizmente ainda tem muita gente revirando lixo. Sem contar que nem sempre os catadores estão devidamente protegidos. O que ainda não consegui foi implantar a tal da coleta seletiva.

De quando em quando me sinto vivendo uma trama de novela. Já se sentiu assim? É espionagem industrial daqui, sabotagem de lá, homicídios com motivos banais, total inversão de valores. Coisas que dão sentido a ditos populares do tipo farinha pouca, meu pirão primeiro. Na última semana fomos surpreendidos com as fraudes no sagrado leite nosso de cada dia. Casos de queijo reembalados em função da data de vencimento também vieram na carona.

Que loucura é colocar vidas em risco desse modo! Por mais que as autoridades digam que a quantidade de substâncias proibidas (esse conceito é ótimo, não?!) não representa perigo à saúde. Mas a essas alturas, quem acredita nisso? Tudo isso no sudeste (Minas e São Paulo, respectivamente). Até onde se pode ir por dinheiro? Por aqui, dizem não ter encontrado nada e a toda hora sai nos noticiários a ação dos fiscais. O fato é que o consumo de leite e derivados caiu bastante em uma semana.

Na contramão desses lances um episódio aconteceu comigo. Ontem passei a tarde pesquisando no Instituto Geográfico. Pegando jornais mais velhos que eu. Estão em pastas pesadas e enormes. Com todo respeito, folheava páginas de A Tarde da década de 70. Numa dessas respeitosas manobras senti o pescoço. Que dor pavorosa! Não conseguia virar a cabeça normalmente pro lado direito. Desisti de continuar a pesquisa. E também já ia encerrar o expediente mesmo. Caminhei mais devagar que o costumeiro. Subi no ônibus. Logo quando sentei, botei a mão no pescoço e tentei virar de leve. Havia uma senhora sentada atrás de mim e se ofereceu pra massagear. Quase não vi quem era.

A cara de espanto das pessoas me fez pensar na falta de responsabilidade com o próximo. Em algum momento em nosso cotidiano esse descuido passou ser considerado normal. E assim vamos com tudo que nos cerca: as matas, a água, os animais. Já imaginou com que cara vai explicar pro seu neto que a baleia que ele vê no livro só existe ali?! Virou uma figura porque acabou.


Tudo bem, eu sei que corremos o risco de uma neurose. Mas acho que até se aplica. Se não, vejamos: essas modificações climáticas que trazem esse calor excessivo, derretimento de geleiras, a escassez de água potável - já é fato consumado - etc. A todos esses fatos pode se creditar a falta de cuidado com o outro, com o que nos cerca. Nos resta agora tentar correr contra o tempo pra salvar o que ainda é possível.